Tente imaginar um bicho parecido com um crocodilo, mas com patas em forma de nadadeiras e cauda semelhante à dos tubarões. A descrição condiz com as características de uma nova espécie de crocodilo marinho que viveu no período do Jurássico Superior, o Torvoneustes coryphaeus, há aproximadamente 155 milhões de anos. O fóssil do animal, que poderia medir até cinco metros do focinho à ponta da cauda, foi localizado na região da Baía de Kimmeridge, no litoral sul da Inglaterra.
A descrição da nova espécie foi feita por pesquisadores do Brasil e da Grã-Bretanha e publicada na revista científica Zoological Journal of the Linnean Society. De acordo com Marco Brandalise de Andrade, coautor do estudo que foi realizado durante seu pós-doutorado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFSGS), a descrição da nova espécie só foi possível graças à descoberta de um fóssil bem conservado do crânio e de parte da mandíbula do animal, que se encaixa no já conhecido gêneroTorvoneustes.
“Esse achado complementa o conhecimento dos crocodilos marinhos pré-históricos porque o Torvoneustes coryphaeus nos ensina como aconteceram algumas das etapas da evolução desses animais”, afirma Andrade, que iniciou essa integração com pesquisadores britânicos durante seu doutorado em paleontologia pela Universidade de Bristol, na Inglaterra. “Apesar da proximidade com os crocodilos atuais, esse bicho é bem diferente”, explica. “Suas principais características são as patas transformadas em nadadeiras, a falta de placas ósseas no dorso, além da cauda adaptada à natação, semelhante à de um tubarão. Esse padrão indica que trava-se de um predador ágil em seu hábitat.”
O T. coryphaeus também se destacava pela musculatura robusta de sua mandíbula preenchida por dentes fortes e afiados. Cavidades maiores no crânio do animal indicam que os músculos responsáveis pelo movimento de fechamento da boca, com fibras mais longas e maior poder de contração, resultavam numa mordida forte e rápida. “Os dentes desses bichos indicam que eles se alimentavam de outros vertebrados marinhos. Muitas de suas presas preferidas possuíam carapaças protetoras muito duras, como moluscos de conchas, tartarugas e peixes com escamas mais grossas”, conta Andrade.
O crânio desse crocodilo pré-histórico era ornamentado com fossas e sulcos, característica que os pesquisadores não esperavam encontrar por ser diferente de uma espécie já conhecida do mesmo gênero, T. carpenteri. “O esperado para a espécie seria um crânio liso. Foi então que constatamos se tratar de um animal mais primitivo do ponto de vista evolutivo”, acrescenta Andrade, atualmente professor da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS).
No total, são quatro as linhagens de crocodilos marinhos a apresentarem o desaparecimento da ornamentação do crânio: Torvoneustes, Dakosaurus, raqueossauríneos e Metriorhynchus. “O desaparecimento da ornamentação do crânio ocorreu quase que simultaneamente [em termos geológicos] nesses crocodilianos marinhos, reduzindo o arrasto hidrodinâmico. Com a menor resistência na água, esses animais passaram a nadar mais rápido, gastando menos energia para se deslocar e caçar”, diz o pesquisador brasileiro.
Para Andrade, a perda dessa característica indica uma mudanças de nicho ecológico ou na competição por comida, num processo de convergência evolutiva, e a descoberta doT. coryphaeus ajuda a elucidar esse processo: ele foi o antecessor dessas alterações.
Os autores do artigo sugerem a hipótese de um ambiente de intensa competição entre oT. coryphaeus e outros predadores, levando esses animais a sofrerem mudanças morfológicas relativas à forma de se alimentar e de caçar. A ecologia daquele período parece ter exigido predadores com maior velocidade, e capazes de capturar presas mais rápidas, desprestigiando caçadores com locomoção mais lenta.
Artigo científico
YOUNG, M. T. de et al., A new metriorhynchid crocodylomorph from the Lower Kimmeridge Clay Formation (Late Jurassic) of England, with implications for the evolution of dermatocranium ornamentation in Geosaurini. Zoological Journal of the Linnean Society, v. 169, p. 820-848, dez. 2013.