Vinte anos depois de se detectar a misteriosa morte das abelhas não há ainda explicação para o fenômeno que põe em perigo a humanidade. Novo estudo, porém, diz que o problema poderá estar num caldeirão de pesticidas e fungicidas
Passaram-se 20 anos desde que um grupo de apicultores franceses alertou para o misterioso desaparecimento das abelhas das suas colmeias. Foi o ponto de partida da descoberta de um fenômeno com escala global, que põe em perigo a produção alimentar de todo o planeta. E desde então os cientistas procuram respostas mas ainda não chegaram a uma conclusão concreta. Vírus? Bactérias? Fungos? Pesticidas? Vespas assassinas? Aquecimento global? As teorias e as dúvidas multiplicam-se, assim como as tentativas dos governos europeus e americano para salvar as abelhas. Que é o mesmo que dizer para salvar a humanidade.
A União Europeia suspendeu o ano passado o uso de três pesticidas e a administração de Barack Obama aprovou este ano uma verba de 50 milhões de dólares para proteger as abelhas, criando ainda um grupo especial de investigadores com a missão exclusiva de descobrir o que está matando as abelhas.
O Ocidente demorou a reagir, e o perigo torna-se cada vez maior, com alertas de cientistas de todos os cantos do planeta. O mistério ainda permanece, mas um estudo publicado este mês na revista “PLoS ONE” vem agora abrir um novo caminho na investigação ao mostrar que uma das causas prováveis poderá estar dentro de um caldeirão de pesticidas e fungicidas que está contaminando o pólen transportado pelas abelhas até às colmeias.
Os resultados da investigação da Universidade de Maryland e do Departamento de Agricultura dos EUA mostram contudo que evitar o apocalipse das abelhas poderá ser muito mais difícil do que se julgava. Os insetos mostraram uma baixa resistência à infecção causada pelo parasita Nosema ceranae. As amostras recolhidas revelaram que o pólen foi contaminado em média por nove pesticidas e fungicidas diferentes.
Houve casos em que os cientistas detectaram 21 agrotóxicos numa única amostra, sendo oito deles associados ao maior risco de infecção das abelhas pelo parasita. Até agora, dizem os investigadores, pensava-se que estes fungicidas fossem inofensivos, já que foram especificamente concebidos para matar fungos e não insetos em culturas como a maçã. “Há indícios cada vez mais fortes de que os fungicidas podem estar prejudicando diretamente as abelhas e penso que se torna também evidente a urgência de reavaliar a forma como se rotula esses produtos químicos agrícolas”, alertou Dennis van Engelsdorp, coordenador da investigação.
O estudo permitiu ainda chegar a mais uma conclusão inquietante: as abelhas americanas, que são descendentes de abelhas europeias, recolhem também o pólen de ervas daninhas e flores silvestres próximas. Pólen este que também estava contaminado, embora as plantas não tivessem sido pulverizados: “O nosso estudo ainda é não conclusivo quanto ao eventual perigo de os pesticidas se dispersarem, mas é preciso ter um novo olhar sobre as práticas de pulverização agrícola.”
Os mais desatentos poderão perguntar porquê tanto alarido à volta das abelhas. A resposta está no ritmo assustador do seu desaparecimento, respondem os especialistas. O número de colônias de abelhas caiu na última década 10% a 30% na Europa, cerca de 30% nos Estados Unidos e mais de 85% no Médio Oriente, segundo o mais recente relatório das Nações Unidas. Um estudo publicado também este mês pela Universidade de Reading, no Reino Unido, mostra que a Europa só tem dois terços das abelhas de que precisa, apresentando um déficit superior a 13,4 milhões de colônias, o que corresponde a cerca de 7 bilhões de abelhas. Os investigadores britânicos compararam o número de abelhas domésticas em 41 países europeus com a necessidade de polinização entre 2005 e 2010. Em 22 países, as abelhas foram incapazes de responder às necessidades, o que forçou os agricultores a recorrerem a vespas e a outros insetos selvagens.
Esta dependência crescente é preocupante, dadas as flutuações nas populações de insetos selvagens e a sua vulnerabilidade à agricultura intensiva e caracterizada pela monocultura, alerta-se no estudo. “Enfrentamos uma catástrofe no futuro, a não ser que se tomem medidas imediatamente”, avisou o investigador que liderou a equipe, Simon Potts.
A misteriosa morte das abelhas está longe de ser um assunto menor, avisam os cientistas. Basta recordar que estes insetos são responsáveis pela polinização de 70% das cem espécies das culturas que alimentam 90% da população mundial. Nas palavras de Albert Einstein, “quando as abelhas desaparecerem da face da Terra, o homem tem apenas quatro anos de vida”. Os investigadores não conseguem precisar este prazo, mas avisam que a ameaça é para levar muito a sério. Se salvar o planeta não for motivo suficiente para despertar as consciências, o comissário europeu da Saúde, Tonio Borg, recorda as consequências para a economia da Europa: “Estima-se que a contribuição das abelhas para a agricultura europeia seja de 22 bilhões de euros por ano.” Com Kátia Catulo
fonte: Jornal I