A gigante do Vale do Silício está redesenhando a linha que separa nossa tecnologia de nós mesmos. Isso pode não ser uma coisa boa.
Com o lançamento do Apple Watch (relógio da Apple) em Cupertino, na Califórnia, a Apple está tentando colocar a tecnologia num lugar onde ela nunca havia sido particularmente bem vinda. Adiantando de modo agressivo essa data, o Apple Watch quer se tornar íntima de nós de uma maneira para a qual não estamos inteiramente acostumados ou preparados. Ele não é apenas um novo produto, essa é uma tecnologia que tenta colonizar nossos corpos.
Edição e imagens: Thoth3126@protonmail.ch – Com a colaboração de J.X.
Apple Watch: mais um sistema de controle com grande sucesso de vendas
Fonte: http://time.com
O Apple Watch é muito pessoal, “pessoal” e “íntimo”, foram as palavras do CEO da Apple, Tim Cook e seus colegas usaram várias vezes enquanto apresentavam-no para o público pela primeira vez. Isso é o que o relógio fará para mudar as coisas, pois ele faz algo que computadores geralmente não fazem: ele vive no seu corpo. Ele repousa em seu pulso como um daqueles passarinhos azuis que ajudam a Cinderella.
Ele é mais próximo do que estamos acostumados na atual tecnologia. Ele entra em sua bolha pessoal. Estamos acostumados a uma tecnologia segura, mas o Apple Watch quer se tornar mais íntimo e se tornar parte de nosso Self. Isso é novo, e um pouco enervante. Quando mais rápido as tecnologias são adotadas o mais rápido nós tendemos a adotar os produtos da Apple, há sempre consequências inesperadas.
Quando o iPhone saiu, foi elogiado e idolatrado como uma maravilha de design e engenharia, porque é único, mas ninguém realmente entendeu o que ele seria em nossas vidas. Ninguém previu a forma como os iPhones exerceriam uma força gravitacional constante em nossa atenção.
Eu tenho um e-mail pra ler? O que está acontecendo no Twitter? Eu poderia sair e jogar Tiny Wings nesta reunião? E o facebook? Quando você está carregando um smartphone, sua atenção nunca é inteiramente exclusiva. A realidade de viver com um iPhone ou qualquer dispositivo inteligente conectado, é que faz com que a sua realidade seja apenas um pouco menos real.
Você fica tão ligado, até o ponto onde os pensamentos e opiniões de estranhos e anônimos distantes começam a se ser mais urgentes do que os de seus entes queridos que estão na mesma sala, na mesma mesa que você. Você se esquece de como é ficar sozinho e sem distrações. Ironicamente as experiências começam a não se tornar verdadeiras até que você tenha usado o seu telefone para torná-las virtuais, twittando-as ou fazendo upload delas ou colocando-as no Instagram, facebook ou no YouTube, e então o mundo vai parabenizá-lo por agir assim. Os Smartphones criaram necessidades que nunca tivemos antes, e provavelmente é melhor ficarmos sem elas.
A grande coisa sobre o Aplle Watch é que ele estará sempre lá, grudado em voce, nem será preciso tirá-lo da sua mochila para olhar para ele, como você faria com um iPhone. Mas ao contrário de um iPhone você também não pode colocar o AppleWatch longe. Ele estará sempre “com você”.
Durante o evento de imprensa da empresa, o artista Banksy postou um desenho no seu feed do Twitter de um iPhone com raízes crescendo e estrangulando o pulso da pessoa que o esta usando. Você pode ver de onde isto estava surgindo. Esta é uma tecnologia que cria um novo patamar (paradigma) de controle. Usar um dispositivo tão “poderoso” quanto o Apple Watch o fará se sentir ligeiramente pós-humano.
Como seria a humanidade pós-humana? O paradoxo de um dispositivo eletrônico vestível é que tanto lhe dá o controle como o leva para longe ao mesmo tempo. Considere as aplicações de recolher dados de seu corpo do relógio. Elas capturam todos os dados que seu corpo gera, seu batimento cardíaco, atividade muscular, e assim por diante, reunindo-as e gravando-as e devolvendo a você de uma forma que você possa usá-las.
Uma vez que a comunidade de desenvolvimento de produtos saiba como aplicá-las, não há como dizer o que mais ele poderia reunir. Isso vai mudar a sua experiência com seu corpo. Um relógio de pulso feito com a idéia central de não saber que horas são parece bizarro; em cinco anos, pode parecer bizarro não saber quantas calorias você comeu hoje, ou qual é a sua freqüência cardíaca em repouso.
Mas essa tecnologia vestível também irá lhe pedir para abrir mão do controle da sua vida. O seu telefone irá começar a dizer o que você deve e não deve comer e o quanto você deve correr ou se exercitar por dia. Ele vai ficar entre você e seu corpo e mediar essa relação. Essa tecnologia vai fazer o seu corpo/self físico visível para o mundo virtual na forma de informações, um corpo digital de impressão indelével, e cuja informação vai se comportar como qualquer outra informação se comporta nos dias de hoje: vai ser copiada e distribuída.
Ela irá a lugares que você não espera. As pessoas vão usar essa informação para rastreá-lo e vender coisas para você. Você vai ser comprado e vendido, e imagine se vazar um derramamento de dados comparáveis ao recente vazamento do iCloud, somente com os dados do Apple Watch, ao invés de selfies nuas.
O Apple Watch representa um redesenho do mapa que localiza a tecnologia em um só lugar e os nossos corpos em outra. O limite entre os dois nunca vai ser fácil de se encontrar novamente. Uma vez que você se acostumar em vestir essa tecnologia no seu pulso, a única forma de avançar será para dentro (literalmente) do seu corpo: o próximo produto a ser lançado após o Apple Watch seria logicamente o iMplante.
Se a Apple conseguir legitimar os relógios como uma categoria, terá estabelecido com êxito o nó fundador em uma rede que poderia se espalhar por todo o corpo, com a Apple definindo os padrões. Então vamos realmente ter que decidir o quanto de controle desejaremos em nossas já controladas existências, e o quanto estaremos preparados para desistir.
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