Linus Torvalds, que em 1991 criou e desde então mantém o sistema Linux, não faz segredo de que o computador no qual prefere usá-lo é feito justamente pela empresa responsável por um sistema operacional visto por muitos como seu concorrente: um MacBook Air. E agora ele compartilha conosco os motivos.
Eu e ele temos isto em comum: sou usuário de Linux desde 1996, e desde o ano passado o computador no qual eu mais o executo é um MacBook Air, que não me furtei a considerar o computador do ano.
Mas Linus é conhecido por ser exigente com os sistemas e equipamentos que utiliza, e em uma recente entrevista concedida a Scott Merrill foi convidado a descrever os motivos pelos quais optou pelo modelo mais light da Apple, o MacBook Air de 11 polegadas. Ele não se fez de rogado, e assim podemos conhecer as razões desta escolha, que veremos em detalhes a seguir.
A pergunta do entrevistador já adianta uma parte dos motivos, previamente divulgados por Torvalds: a qualidade e o fato de o Air ser tão silencioso. Daí nasce a questão: por que a Apple tem a única alternativa que satisfaz os exigentes critérios torvaldianos no momento?
Linus responde dizendo que se espanta quando percebe que o tempo passa e ninguém ainda conseguiu reproduzir o que a Apple fez neste campo, mesmo tendo passado anos desde o lançamento do primeiro modelo de MacBook Air, e mesmo sendo óbvio que não é excentricidade nenhuma de um usuário preferir que seu laptop seja fino e leve.
Outros fabricantes começam a reproduzir o mesmo gênero (ele não chega a pronunciar a palavra "ultrabook"), mas de modo geral sem grande sucesso. Só que ele tem uma ressalva interessante que serve para deixar claro que não se trata de um fanboy da Apple (e só um cliente satisfeito do Air): as críticas que ele faz aos notebooks dos outros fabricantes também se estendem aos MacBooks Pro, que ele acha tão desajustados quanto os demais, embora em uma roupagem mais bonita.
Para reduzir os requisitos, ele citou especificamente 2 fatores: ele valoriza o silêncio do seu escritório, e prefere que o som mais alto que ocorra por lá seja o ronronar ocasional do gato – e não a ventoinha de uma CPU. Além disso, ele gosta de viajar com bagagem leve, e um notebook acima de 1kg está completamente fora de seus planos.
E os outros fabricantes?
Mas a entrevista foi conduzida por um blog de tecnologia e negócios, e o repórter não se furtou a perguntar sobre outro lado da questão: a comunidade Linux não teria condições de influenciar o design dos fabricantes de outros notebooks?
Para mim não parece ser o caso (a comunidade Linux mal consegue influenciar muitos fabricantes a colocar Linux em seus notebooks), mas Linus respondeu por outro lado da questão: para ele, o que coloca a Apple em condições de ter um modelo tão diferenciado é o foco que ela tem em uma linha pequena de produtos, concentrando seu orçamento de pesquisa e desenvolvimento e melhorando iterativamente.
Ele comparou isso com a situação de fabricantes como HP, Lenovo e Toshiba, com suas ofertas variadas que ele adjetiva como "um mundo selvagem e louco", que privilegiam a possibilidade de escolha, oferecem apostas mais seguras para os investidores, mas que conduzem ao erro de ter máquinas medianas e "chatas" como elementos centrais de suas linhas, e tentar pecar pelo excesso com modelos "extremos" para compensar.
O futuro pode ser diferente
Torvalds faz uma ressalva importante: ele não se declara um fã da Apple, e diz explicitamente que acha que ela também já errou bastante. Mas ele reconhece o valor da coragem corporativa de apostar em uma estratégia arriscada baseada em poucos modelos que são vistos como estando à frente do seu tempo, ao invés de ficar na segurança de oferecer vários modelos medianos que potencialmente agradam o suficiente a todo mundo.
Só que este tipo de estratégia arriscada pode não durar para sempre, e ele destaca que as vantagens atuais do MacBook Air podem estar próximas de se diluir e chegar às mãos até dos fabricantes que investem menos em pesquisa.
Os discos rígidos mecânicos estão quase entrando em extinção, os drives de CD e DVD são uma necessidade cada vez mais rara, e junto com eles se vão os principais obstáculos a fazer notebooks finos e leves, deixando os modelos mais pesados e volumosos apenas para quem prefere ou precisa destes dispositivos.
A conferir, mas no momento confesso que prefiro continuar rodando o Linux em um MacBook Air. E acho que o Linus também ツPara ele, a próxima revolução não virá de um design novo, mas sim de uma direção bem mais modesta: projetos baratos como o Raspberry Pi, que também rodam Linux colocam os elementos principais de um computador a custos baixíssimos (US$ 25), e que precisam apenas de uma ideia criativa que os complementem para mudar a forma como lidamos com o conceito de computação pessoal hoje.
Augusto Campos, no TechTudo