Vimos por meio desta expressar nossa preocupação a respeito do entendimento do INPI e do MCT a respeito da patenteabilidade de softwares no Brasil. É nosso entender que a posição atualmente adotada por essas entidades não está perfeitamente adequada nem ao texto da lei correspondente nem aos interesses do país. Abaixo, expomos nossa visão sobre o assunto.
A Lei 9279/96 exclui explicitamente da proteção oferecida através do mecanismo de patente "métodos matemáticos", "concepções puramente abstratas" e "programas de computador em si". Ainda assim, aparentemente há interpretações conflitantes a respeito da aplicabilidade de patentes a software dependendo do contexto.
De acordo com o FAQ do INPI disponível na Internet, "não pode uma invenção ser excluída de proteção legal pelo fato de que, para sua implementação sejam usados como meios técnicos programas de computador", e "assim, o programa de computador em si, isto é, aquele que não apresenta um efeito técnico, é excluído de proteção patentária, ao passo que se tal programa altera tecnicamente o funcionamento da máquina em que é executado, este processo de controle ou a máquina resultante, pode configurar uma invenção patenteável".
De fato, essa interpretação nos parece adequada; nesse espírito, fica evidente que o que é patenteável, nesse caso, é a máquina que faz uso do software ou o comportamento do software no contexto do invento, e não o software ou seus algoritmos, que nada mais são que concepções abstratas ou métodos matemáticos. Assim, por exemplo, num sistema de controle de voo baseado em ailerons vibratórios com frequência variável, o mecanismo de vibração dos ailerons para o controle da aeronave é alvo da proteção; o modelo matemático usado para determinar a frequência de vibração adequada a cada instante não; e o software e correspondentes mecanismos para determinar e ajustar a frequência de vibração também não. Ou seja, aplica-se a proteção apenas ao uso de vibrações determinadas pelo software (o que corresponde ao "processo de controle" citado acima); o software tem papel secundário nesse contexto. Num outro exemplo, um sistema de voo baseado em manipulações de campos gravitacionais ao invés dos atuais modelos aerodinâmicos pode constituir uma invenção, mas o software que viabiliza seu funcionamento e os correspondentes algoritmos não.
Em suma, trata-se de casos análogos ao uso, em uma invenção, de técnicas fora do escopo da invenção, como por exemplo: fornecimento e armazenamento de energia necessária ao invento, peças elétricas ou mecânicas que compõem o invento, técnicas para a construção das peças necessárias, etc. É evidente que esses componentes não são parte do objeto da patente em si. De forma análoga, o software e suas técnicas também devem ser excluídos do escopo da patente.
Apesar desse entendimento, a página http://www.mct.gov.br/index.php/content/view/4989.html relata que "os pedidos de patente relacionados a software envolvem o conhecimento abstrato que permeia um programa de computador, tais como, descrição das funções executadas pelo programa, fórmulas matemáticas e interfaces gráficas", o que, a nosso ver, vai claramente de encontro com a legislação vigente. O mesmo texto continua: "podemos citar como exemplos de patentes relacionadas a software já concedidas pelo INPI: algoritmos de compactação de dados, tratamento de imagens, protocolos de comunicação, gerenciamento de arquivos, controle de impressão, interfaces gráficas (destacando o aumento da capacidade de interação do usuário e meramente formas estéticas), controle de processos industriais, softwares usados em centrais telefônicas". É difícil compreender o significado exato dos itens "gerenciamento de arquivos", "controle de impressão", "controle de processos industriais" e "softwares usados em centrais telefônicas"; no entanto, nos parece que os itens "algoritmos de compactação de dados", "algoritmos de tratamento de imagens", "protocolos de comunicação" e "interfaces gráficas" nitidamente violam o espírito e o texto da lei.
Pode-se citar como exemplos de patentes inadequadas nesse sentido as patentes cujos números de pedido são PI0505190-8 e PI0419011-4. A primeira trata de um algoritmo de compactação de dados, que é uma concepção puramente abstrata. A segunda versa sobre o uso de compactação de dados para o tráfego de informações sobre redes a cabo. O mero uso de uma técnica de software no contexto da transmissão via cabo não deveria ser alvo de proteção; somente seria admissível pensar em patente de compactação de dados em redes a cabo se o mecanismo de compressão fosse baseado em novas técnicas de transmissão de sinais eletromagnéticos através do cabo.
Essa discrepância de interpretação pode ter impactos negativos no Brasil. Patentes de software têm sofrido críticas em vários círculos internacionais, tendo sido rejeitadas duas vezes na União Européia e sendo alvo de campanhas importantes nos Estados Unidos. A ênfase dada pelo governo federal ao apoio ao software livre também esbarra nas patentes de software. Essas preocupações inclusive se refletem no texto da lei, onde os legisladores explicitamente excluíram os itens que poderiam dar espaço às patentes de software. Assim, solicitamos ao INPI rever seus atuais procedimentos internos para evitar a proliferação de patentes desse tipo, bem como ao MCT rever seus materiais de divulgação e incentivo à produção científica para não fomentar o interesse por patentes desse tipo.
Atenciosamente,
Membros do Centro de Competência em Software Livre da Universidade de São Paulo
publicada originalmente aqui: http://softwarelivre.org/patentes-nao/carta-ao-inpi