Tor, Bitcoin e RepRap: O futuro da luta por um governo horizontal

 

por James Ball, no diário britânico Guardian, Friday 20 April 2012 13.00 BST

Se existe uma batalha sobre o desenho futuro da internet — e da sociedade como um todo –, grupos hacktivistas como Anonymous e Lulzsec, o Wikileaks e sites de compartilhamento de arquivos como o Megaupload.com são os batalhões na linha de frente.

Embora incidentes individuais e disputas envolvendo estes grupos pareçam disparatados e desconectados, os que estão no centro do ativismo online dizem que todas estas organizações, além de movimentos relativamente menos radicais como o Occupy e o Partido Pirata, são todos ligados.

John Perry Barlow, letrista do Grateful Dead e fundador da bem conhecida Electronic Frontiers Foundation(EFF), diz que a motivação de todos estes grupos, quaisquer que sejam as suas táticas, são uma mudança na natureza da sociedade.

“O que une estes grupos é a crença que o futuro não é de um governo vertical, hierárquico, mas de um governo peer-to-peer, horizontal”, ele diz. “Isso coloca as forças da idade da informação contra aquelas da idade industrial, quando nos movemos da escassez da informação para a abundância. O ano passado demonstrou nossa capacidade de promover revoluções, não a de governar — mas isso vem aí. Grupos distintos fazem parte deste espectro. Organizações como a EFF seriam as conservadoras. No centro estariam o WikiLeaks e o Partido Pirata, com o Anonymous no lado mais radical”.

Embora as conexões entre estes grupos sejam tênues, uma ideologia libertária baseada na desconfiança em relação a governos parece unir os grupos de hacktivistas na internet, além da crença em redes de cidadãos livres, o desprezo pelas leis de direitos autorais e de defesa da propriedade intelectual e a busca pela autodeterminação.

Barlow acredita que o governo dos Estados Unidos começou a perseguir agressivamente os hackers políticos como Anonymous e Lulzsec. Os grupos promoveram ataques contra sites dos governos dos Estados Unidos e do Reino Unido, puseram a News International [empresa de Rupert Murdoch] no alvo, supostamente capturando e-mails da equipe do [jornal] Sun, e conseguiram todos os arquivos da empresa de inteligência norte-americana Stratfor, repassados em seguida ao WikiLeaks.

“O governo tem como alvo o Anonymous pela mesma razão que enfrenta a Al-Qaeda –  são inimigos. De certa forma, são. A merda está começando a atingir o ventilador, mas ainda não vimos os efeitos disso. A internet é a ferramenta mais libertadora já inventada pela humanidade, e também a melhor ferramenta para a vigilância. É uma ou outra. E ambas”.

Barlow está trabalhando num sistema para enfrentar o bloqueio financeiro imposto ao WikiLeaks. Depois da publicação dos telegramas diplomáticos dos Estados Unidos, o senador Joe Lieberman pediu às companhias norte-americanas que bloqueassem o site. Visa, Mastercard e o Paypal atenderam ao pedido, embora sem ordem ou pedido formal do governo, deixando o WikiLeaks sem dinheiro.

Barlow pretende estabelecer uma fundação com o objetivo de financiar qualquer organização que defenda a primeira emenda da Constituição dos Estados Unidos [que garante a liberdade de expressão] do bloqueio de corporações.

“Espero criar um argumento moral contra esse tipo de ação”, ele diz. “Mas poderá ser também a base para ações legais. Agora temos organizações privadas com o poder de bloquear a liberdade de expressão. Estas companhias não têm suas ações regulamentadas pela lei — obedecem apenas a termos de serviço com os usuários”.

Como resultado disso, batalhas sobre o futuro da internet estão se tornando crescentemente politizadas, envolvendo grupos que se enfrentam para criar jurisprudência. Uma gigante rede de organizações se juntou nos Estados Unidos para enfrentar o Stop Online Piracy (Sopa). A lei, sob crescente oposição, foi eventualmente freada, mas tentativas parecidas na União Europeia e em outros lugares conseguiram avançar nos parlamentos.

Em outras frentes, a cibervigilância está aumentando, com o governo do Reino Unido propondo uma lei que permitiria o monitoramento de informação contida em e-mails, em redes sociais e no tráfego de todos os usuários do Skype, em tempo real. Para enfrentar isso, os hacktivistas estão se envolvendo na política tradicional.

O movimento mais conhecido desse tipo é o Partido Pirata, que foi fundado na Suécia por Rickard Falkvinge em 2006 e é pequeno no Reino Unido, mas está construindo uma influência substancial em todo o mundo. O partido tem dois deputados no Parlamento europeu e recentemente recebeu 7,4% dos votos em eleições na província alemã de Saarland — de acordo com recentes pesquisas, é o terceiro maior partido da Alemanha.

O partido teve até, por pouco tempo, um ministro, Slim Amamou, um ativista tunisiano que serviu como ministro de esportes e juventude em seu país, antes de renunciar no ano passado em protesto contra a censura imposta pelo exército da Tunísia à internet.

Amelia Andersdotter, uma das deputadas europeias, acha que as autoridades ignoram o elemento político nos ataques de grupos como o Anonymous.

“Alguns destes ataques são interpretados de forma deturpada. São claramente atos políticos, tentativas de registrar um protesto contra alguma coisa que o governo ou uma organização está fazendo”, ela diz. “Há falta de entendimento por parte das autoridades da cibersegurança. As coisas são vistas como intimidadoras, quando não são. De repente, os ataques de denial of service [ataques que inundam endereços com tráfego falso, impedindo o acesso], que já foram legais em vários países, estão se tornando alvo de repressão. A maioria dos ataques, no passado, foi resultado de disputas entre rivais comerciais, mas agora mais da metade dos ataques acontece por motivos políticos. E a repressão aumentou”.

As prioridades de Andersdotter são avaliar como as ações de segurança das autoridades são regulamentadas e supervisionadas, promover tentativas de reformar as leis de propriedade intelectual da União Europeia e ajudar a espalhar internet via fibra ótica — com maiores velocidades — em toda a Europa.

Outros não se contentam meramente em fazer lobby junto a políticos pela internet livre. Em vez disso, constroem ferramentas desenhadas para tornar a regulamentação da internet impossível. Um das mais usadas é o Tor, o roteamento-cebola.

O Tor, quando usado adequadamente, torna anônimo todo o tráfego da internet gerado em um computador, ao rebatê-lo dezenas de vezes através de outros computadores do mundo, usando sempre caminhos diferentes. Isso significa que um indivíduo só será identificável se ele ou ela logar em um dado endereço.

O sistema não é infalível, pode ser bloqueado — temporariamente — por governos autoritários, mas dá um alto grau de proteção, seja para ativistas que atuam sob regime repressivos, seja por aqueles que usam a internet para traficar drogas ou compartilhar pornografia infantil.

O dilema não é desconhecido pelos que desenvolveram a ferramenta.

“Os criminosos serão sempre oportunistas e vão descobrir saídas antes que os outros”, diz o diretor executivo do projeto Tor, Andrew Lewman. “O velho trabalho policial ainda funciona muito bem contra eles. Quase toda transação no Reino Unido usa EFT [cartão de pagamento eletrônico, electronic fund transfer], existem câmeras de circuito fechado em toda rua e monitoramento das comunicações online — mas você ainda tem tráfico de drogas e outros crimes. Os benefícios de uma internet aberta são os mesmos das rodovias e autopistas. Nos Estados Unidos, a polícia era contra a construção de rodovias interestaduais, alegando que elas ajudariam os criminosos a escapar da lei. Mas a polícia se adaptou e os benefícios das rodovias claramente superam os custos”.

Lewman disse que o principal fator motivador por trás do projeto do Tor não é derrubar o governo, ou mesmo facilitar o ativismo, mas dar aos usuários controle sobre como eles podem usar a internet e sobre quem pode monitorar suas atividades. Mas ele não está surpreso com as tentativas dos governos de regulamentar a internet.

“Os governos estão começando a se dar conta de que uma fatia crescente do PIB deles depende da internet. Os governos gostam de estabilidade, não de uma terra que se move”, conclui.

Mas os governos poderiam ser driblados completamente, já que os web designers não apenas descobriram formas de evitar a vigilância: eles criaram uma moeda sem estado, de baixo para cima.

A moeda é conhecida como Bitcoin e depende de uma série de algoritmos matemáticos que governam a quantidade de dinheiro em circulação e a futura taxa de inflação. Cada Bitcoin tem uma identificação única e as transações são registradas de forma pública, tornando as fraudes mais difíceis que as praticadas contra moedas tradicionais — mas, como as Bitcoins não recebem apoio do governo, se forem roubadas somem para sempre, como alguns dos que adotaram a moeda cedo descobriram, pagando caro por isso.

No momento em que eu escrevia, existiam mais de 8,7 milhões de Bitcoins, valendo cerca de U$ 42,3 milhões. A combinação de uma moeda sem estado e de uma internet invisível é poderosa, como um site do underground deixa claro.

A Rota da Seda [Silk Road] é um site acessível apenas na seção “escura” do Tor, significando que não pode ser encontrado ou identificado na internet de todos e apenas aceita Bitcoins como forma de pagamento. O endereço permite a compra e venda de drogas ilegais, predominantemente nos Estados Unidos, Reino Unido e Holanda.

Sua existência não é um segredo. Em 2011 dois senadores dos Estados Unidos pediram ao procurador-geral que agisse contra o site, que foi descrito como “uma estação para compra de drogas ilegais que representa a mais descarada tentativa de traficar online que já vimos”.

Ações contra o site, que opera usando o mesmo formato do eBay, ligando compradores e vendedores independentes, até agora se mostrou impossível — e a publicidade gerada para o Rota da Seda apenas aumentou a popularidade do site e dos Bitcoins.

Promover tais empresas não é, no entanto, a motivação da maioria das pessoas que trabalham no desenvolvimento do Bitcoin.

Um integrante da equipe de desenvolvimento, Amir Taaki, explica as motivações básicas do movimento hacktivista desde um “hackspace” em Londres — um clube criado para permitir às pessoas que programem ou reprogramem código à vontade. Até a porta do espaço é customizada: é programada para abrir quando os sócios passam seu cartão magnético ou emitem identidade em rádio-frequência. A porta dispara um sinal de boas-vindas customizado (um sócio escolheu o tema da vitória do Final Fantasy VII, um videogame cult dos anos 90).

O princípio da cultura hacker, Taaki diz, é que “toda autoridade deve ser questionada”. Ele enfatiza que isso não significa que os governos ou a polícia são necessariamente corruptos ou desnecessários, mas que o público deveria estar sempre numa posição de cobrança em relação às autoridades.

Isso leva ao segundo princípio: a informação deveria, de forma geral, ser livre. As leis de patentes, de direitos autorais e os segredos dos governos são o maior alvo do movimento.

O que isso representaria para indústrias como a farmacêutica, onde uma pílula pode custar centavos mas as pesquisas custam milhões, é incerto, e Taaki não tem as respostas. Até agora, são as indústrias do entretenimento — Hollywood, música, televisão e editoras — que sentiram os efeitos da pirataria e do compartilhamento de arquivos. O desenvolvimento de tecnologia pode significar que o desafio vai se aprofundar.

Aparelhos conhecidos como impressoras 3D são capazes de reproduzir objetos em planos tridimensionais. A tecnologia é cara: uma máquina comercial barata sai por mais de 30 mil reais, mas uma versão aberta, feita em casa, já foi criada. A RepRap pode custar cerca de mil reais. Atualmente, a RepRap pode produzir metade das peças necessárias para conceber uma outra máquina, do mesmo modelo. Com o tempo, serão capazes de imprimir as partes necessárias para construir uma outra impressora 3D — uma máquina autoreplicante.

É tecnologia com um potencial impressionante, a capacidade de virtualmente “imprimir” qualquer coisa já inventada — ferramentas, brinquedos, até comida — mas as aplicações, até agora, são básicas e custosas. Atualmente, as impressoras caseiras podem produzir algumas bugigangas — embora o sucesso inicial, quando ela clonou brinquedos de plástico da Warhammer, levaram a ações judiciais e uma previsível reação.

Uma tecnologia que permite a qualquer pessoa fabricar qualquer coisa, desde que usando o projeto certo, significa grande tempestade para qualquer empresa que dependa de antigos modelos de negócio — e os hackers de hoje sabem disso.

“A batalha entre os piratas e as indústrias da música e do cinema não são nada, é uma preliminar”, diz Taaki. “Quando esta tecnologia amadurecer, os negócios da manufatura, agricultura e tecnologia — tudo poderá ser replicado por praticamente qualquer pessoa, em qualquer lugar. É quando veremos a verdadeira luta — e eles nem perceberam ainda”.

fonte: Viomundo

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Posted by Wladimir

Nerd desde sempre. Começou a programar em Basic, em um CP 400 Color II lá por 1985. Fã de Star Wars, Star Trek e outras séries espaciais. Pai de 4 filhos - um era pra se chamar Linus, mas o nome encontrou muita resistência :( Aliás, software livre é outra paixão. Usuário Linux desde 1999. Presidente da Associação Software Livre Santa Catarina. Defensor do livre compartilhamento. É o compartilhamento que tem feito a humanidade avançar. As ideias são uma construção coletiva da humanidade :) Foi fundador do Partido Pirata do Brasil e membro de sua 1ª Executiva Nacional (2012-2014). Foi também assessor do gabinete do Ministro da Ciência e Tecnologia durante 2016, até a efetivação do golpe que destituiu Dilma Rousseff. Ah, também é editor aqui dessa bagaça, onde, aliás, você também pode colaborar. Só entrar em contato (42@nerdices.com.br) e enviar suas dicas, artigos, notícias etc. Afinal, a Força somos nós!

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