(post publicado há dois anos atrás)
Neste início de tarde de sexta-feira, pouco antes das 13 horas, estava com meu filho de 11 anos, Camilo, aguardando uma consulta médica. Enquanto esperávamos, ele quis brincar de pedra-papel-tesoura. Ok, ele é insistente (como todas as crianças) e começamos a brincar. Já no começo da brincadeira demos o nosso “toque nerd” e, de pedra-papel-tesoura passou para pedra-papel-tesoura e Spock.
A influência de Star Trek (Jornada nas Estrelas) e, dentre os vários personagens, destaca-se bem acima Spock, é muito grande e inegável na nossa cultura pop ocidental. Não sei como é em outras regiões do planeta, mas nos Estados Unidos e aqui no Brasil ela é muito presente.
As gerações bem mais novas, infelizmente, não tiveram esse contato e podem até nem estar entendendo as razões de tanto destaque à morte de Leonard Nimoy. Embora seja sabido e reconhecido outros talentos de Nimoy, ele deu vida, por tantos anos, ao Sr. Spock, que fica muito difícil separar o homem, o ator, do personagem. Para ter uma ideia da grandeza deste homem, vale à pena dar uma passada no site onde está exposto um pouco destes outros ângulos.
A tristeza é grande, a tristeza é maior, porque foi Spock quem nos deixou, desta vez para sempre. Não temos como embarcar na Enterprise e sair, mais uma vez, à procura dele.
Para entender tamanha força de Spock, é inevitável compreender a força de Star Trek. A série foi pioneira no que se chama comumente de ficção científica. Mas assim como a tripulação da Enterprise, que saiu em uma missão de 5 anos “para ir audaciosamente onde nenhum homem jamais esteve”, a série também foi onde a humanidade ainda não havia ido.
Jornada nas Estrelas rompia, um a um e passo a passo, vários tabus e preconceitos da sociedade estadunidense. Na sua tripulação trabalhavam juntos e cooperando entre si um russo, um japonês, uma mulher negra em posição de comando (três preconceitos quebrados de uma vez só Uhura!), um escocês e um alienígena, Spock.
Não esqueçamos que não fazia muito tempo que o mundo havia saído da Segunda Guerra Mundial, então reunir uma tripulação dessas não era algo lá muito simpático. Só faltou ter algum oficial alemão pra completar.
A série também foi audaciosa ao exibir na televisão, pela primeira vez, um beijo entre um branco e uma negra. Foi no décimo episódio da terceira temporada, que foi ao ar no dia 22 de novembro de 1968. A tenente Uhura e o capitão Kirk se beijaram, sob os temores da NBC de que isso pudesse causar reações no conservador sul dos EUA.
Star Trek apresentava uma visão otimista, positiva do futuro da humanidade. Spock tinha um papel central nessa ideologia da série. A razão apontava para a vitória da convivência pacífica, para uma relação de igualdade entre homens e mulheres, entre todas as etnias, para a resolução dos problemas com base no diálogo. Tudo bem que a Enterprise tinha lá seu poder de fogo, mas muito modesto comparado com as naves de outras séries e filmes de ficção, construídas para a destruição e o terror. O caráter da Enterprise era de uma nave para exploração, para conhecer outros povos, outras culturas, indo sempre em missão de paz.
A série, até por ser nos anos 60 (foi ao ar em 1966) não tinha como contar com muitos efeitos especiais. As histórias não são recheadas de ação, de aventura no estilo Indiana Jones ou, pra lembrar o rival Han Solo em outro universo, não são como em Star Wars, que é basicamente de ação.
Star Trek tinha uma trama mais profunda, mais elaborada. Abordou temas como a guerra, a divisão do mundo, o racismo, a religião, direitos humanos, o papel da ONU, a economia, o imperialismo, etc. O próprio Gene Roddenberry disse uma vez:
“Ao criar um novo mundo com novas regras, eu podia discutir sobre sexo, religião, Vietnã, política e mísseis intercontinentais. Realmente, nós as colocamos em Star Trek: nós estávamos mandando mensagens e felizmente elas passaram pela emissora”.
A série também levou seus fãs a sonhar com o futuro, a pensar como seria a Terra dentro de algumas décadas. E foi, nesse aspecto, também visionária, antecipando diversos equipamentos que usamos hoje, como smartphones e tablets, portas que se abrem com a presença humana, aparelhos com touch screen. Tudo isso está lá em Star Trek, que completa ano que vem 60 anos de lançamento.
A influência e o impacto de Star Trek é tão grande que a NASA batizou um de seus ônibus espaciais de Enterprise. Abaixo, o elenco em visita à NASA. Por sinal, essa é a foto que foi publicada nesta sexta como homenagem da NASA em seu perfil no Twitter.
É estranho que Spock tenha cativado milhões de pessoas. Logo ele, o personagem que seria só razão, só lógica, só bom senso. Sem demonstrar sentimentos. Sem vacilar entre uma escolha racional e uma escolha sentimental. Até quando se sacrifica, o faz em nome da razão.
Estranhamente, é ele quem mais despertou sentimentos, quem se tornou o mais querido, o mais idolatrado até. Provavelmente ele também não entenderia isso. Mas nós entendemos todo este vácuo que fica com sua partida.
Vá em paz, capitão Spock. Vida longa e prospere.