Não publicamos aqui no Nerdices nada sobre a morte do grande Roberto Bolaños. Não que eu não goste do Chaves, do Chapolim e de todos os outros personagens. Apenas não queria ser mais um site a falar sobre esse assunto, sem acrescentar algo novo, algo relevante, algo que valesse à pena ser publicado. Ainda esse ano, na ocasião de seu aniversário, postei um artigo do meu primo Carlos Novack, muito bom por sinal, sobre a vida deste grande ator.
Mas hoje um amigo, o professor Willian Meister, publicou em seu perfil um artigo que merece ser lido. Por isso, compartilhamos aqui para que vocês também leiam 😉
É com saudosismo que escrevo meia dúzia de considerações sobre a recente morte de Roberto Gomes Bolaños (o Chespirito), tão veiculada pela mídia e pela internet, sobretudo, nestes últimos dias. Mas não pretendo aqui escrever algo formal e chato, mas sim apontar dois ou três pares de coisas que considero importantes para que sejam eternamente consideradas por quem, como eu, é também admirador eterno do legado de Bolaños.
Pra quem cresceu na minha geração, Chaves, Chapolin, Dr. Chapatin e Chespirito (um ladrão trapalhão que junto do Tripa Seca se metia em confusão com a polícia a todo momento) deram o tom da infância feliz. Na época, não conseguia entender a profundidade que programas tão bobos e repetitivos, mas tão engraçados, tinham para além do humor. Hoje consigo enxergar o que de profundo têm que me prendem mais do que prendiam antes.
A começar pela identificação que estes programas têm com o povo latino. O seriado Chaves expõe com ironia uma realidade presente em toda a América Latina: a vida comum de moradores de um gueto qualquer que possui todos os elementos da sociedade média latina. Dona Florinda representa a classe média esnobe que, por poder ter mais que outros, acaba achando que detém o poder de comandar a vila; Sêo Madruga (Don Ramón, em espanhol) é o típico pobre latino, que vive de bicos, até meio preguiçoso, mas muito prestativo, meio ranzinza, mas amoroso; Prof. Girafalles é o intelectual, romântico clássico, sabido e moralista; Sêo Barriga é o típico empresário de classe média que toma as pancadas da vida, nem rico, nem pobre; Dona Clotilde é a senhora solteirona e carente, feia como uma bruxa (na visão das crianças) e que se veste mal, mas se sonha atraente e tem uma queda pela “masculinidade” do Madruga; Quico é o típico garoto mimado, aquele que todo professor conhece; Chiquinha (Chilindrina, em espanhol) é a garota levada, pobre, criada na rua meio que longe dos olhares do pai, figura também muito conhecida de qualquer professor; e, enfim, Chaves é o menino pobre, sem história, que vive suas fantasias e que, mesmo sendo sem-teto e sem-comida, considera-se igual em direitos às outras crianças da vila, tanto que vive pegando emprestado sem pedir os brinquedos do Quico.
Pois bem, essa identificação com uma realidade genérica em toda a América Latina é o elemento principal que torna Chaves uma série amada em TODOS os países latinos e também nos Estados Unidos, onde muitos latinos, em especial mexicanos, vivem. Mas não só aqui! Incrivelmente, Chaves ainda é muito assistido em países do eixo soviético-europeu, como Rússia, talvez pela identificação terceiro-mundista que a série trás.
Mas para além disso, Chaves ainda tem um elemento que considero mais atraente: uma filosofia imersa e discreta que na verdade é o cerne da série. Alguém já se perguntou porque Chaves se esconde em um barril? Não! Chaves não morava no barril, ele morava na casa de número 8 (o nome original da série, em espanhol, é “Chavo del Ocho” [Chaves do Oito]). A presença marcante do barril como “casa” do Chaves dá-se, possivelmente, como uma alusão ao filósofo grego Diógenes (meu segundo nome), que abdicara das luxúrias da vida urbana pra viver com sua filosofia, vagando nas ruas e dormindo dentro de um barril, cercado por seus cachorros. Ou seja, se a alusão a Diógenes for real, a série ganha aí um elemento ainda maior de reflexão do que o menino Chaves viria a ser – um ser livre!
Já sobre Chapolin, outra série que amava, as palavras que certa vez ouvi de Bolaños em uma muito antiga entrevista à TV Chilena durante uma visita do grupo ao país resumem bem seu sentido. Bolaños diz que criou Chapolin para ser um heroi real. Um heroi sem poderes, como o Batman norte-americano, mas ainda mais humano. Um heroi que sente medo, é covarde e fraco, nada musculoso, mas muito bem intencionado, com a vontade de fazer o bem sem medir a quem. Um heroi real, como qualquer pessoa pode ser!
Essa poética na descrição de Chapolin é digna de um gênio que carrega como alcunha artística a adaptação hispânica do nome no diminutivo de um grande gênio da poesia romântica clássica – “Chespirito” é um derivado de “Shakespeare”. Há quem diga que seu nome e o nome de seus personagens, todos começando com “CH”, remetem a Chaplin, outro grande gênio da dramaturgia cômico-crítica. O fato é que este misto Shakespeare-Chaplin derivou os maiores ícones da cultura latina contemporânea – Chaves e Chapolin.
Por tudo que escrevi acima e que agora compartilho convosco é que rendo homenagens, mesmo que singelas, a este homem que tão bem conheci quando pequeno por intermédio de suas personagens. Enquanto homem comum, um gênio! Enquanto gênio, um homem comum, latino e orgulhoso de suas origens, coisa que nós brasileiros precisamos urgentemente aprender!
Por isso que, hoje e sempre…
ROBERTO BOLAÑOS, PRESENTE!