A decisão da Justiça Federal dos Estados Unidos derrubar a garantia de neutralidade da internet no país na terça-feira, 14, já começou a afetar empresas de vídeo. Serviços como YouTube, Hulu, Amazon Prime e Netflix devem ser os mais afetados pela mudança, que abre espaço para as operadoras que provêm internet tratar conteúdos de determinados sites de forma diferentes, cobrando mais pelo acesso ou diminuindo a velocidade para determinado tipo de conteúdo, por exemplo.
O efeito foi sentido pela Netflix. Na quarta-feira, 15, as ações da empresa começaram o dia em queda de 0,13%. Na mínima do dia, as ações recuaram 5,54 e fecharam o dia em queda de 2,26%. No dia seguinte, as ações voltaram a cair, mas no fim desta quinta-feira registravam alta de 0,3%.
O que preocupa os investidores é o impacto que essas mudanças podem trazer para o negócio. O site Mashable, por exemplo, publicou a previsão de um analista da empresa Wedbush Securities, dos Estados Unidos, que prevê que a Netflix pode ter um aumento anual de custos entre US$ 144 milhões e USS$ 936 milhões, dependendo de quanto as operadoras cobrarem pelos dados entregues.
Enquanto as empresas se mantém discretas, a Associação das Empresas de internet publicou uma nota afirmando que vai trabalhar com o órgão regulador das comunicações dos EUA (FCC, na sigla em inglês) para “proteger a liberdade na internet, adotar inovação e crescimento econômico e empoderar usuários”.
Já o presidente da FCC declarou que a vai trabalhar para que o interesse público não seja desconsiderado. Alguns analistas acreditam que mesmo que a FCC não consiga inverter o cenário, o próprio mercado não permitirá a imposição de taxas pesadas nesses serviços.
A Corte de Apelações do Distrito de Columbia concluiu que a norma de neutralidade, publicada ao lado de outras regras pela Comissão Federal de Comunicações, beneficia um grupo que “busca proteção contra as forças do mercado” e, sendo assim, a FCC “não tem autoridade para conceder tal favor”. A neutralidade é o princípio que garante que nenhum conteúdo será discriminado pelos provedores de conexão, inibindo modelos de negócio como a de venda de pacotes de internet para acesso exclusivo de algumas aplicações.
Na decisão, a corte opina que os consumidores “têm opção”. “Eles podem ir para outro provedor de internet se eles quiserem acessar algum provedor de conteúdo [aplicações web como Gmail, Facebook ou Skype, por exemplo] específico ou se suas conexões a um serviço específico for prejudicada.”
Em 2010, a FCC publicou o documento “Normas da Internet Aberta” (tradução livre de “Open Internet Order”) estabelecendo três princípios básicos: transparência (todos os provedores de banda larga deveriam publicar suas informações de serviço), não bloqueio (de qualquer conteúdo), não discriminação sem fundamento de conteúdo (neutralidade de rede).
A reação da corte americana surgiu após ação movida pela operadora americana Verizon, que teve a sua classificação alterada (de provedora de banda larga para provedor de serviços de informação) pela FCC, em uma tentativa de enquadrá-la fora do conjunto de regras comuns às empresas de telecomunicações, porém sob o conjunto de regras previstos na Open Internet Order.
Para Carlos Affonso, diretor do Instituto de Tecnologia e Sociedade, a decisão não representa uma derrota à neutralidade de rede. “Trata-se de uma questão de competência. O interessante agora será ver se a FCC vai querer recorrer ou reescrever seus termos”, diz, lembrando um discurso recente do presidente da Comissão, Tom Wheeler (foto), declarando não ver problema de operadoras cobrarem a mais de serviços “pesados”, como o Netflix, caso queira garantir tráfego de dados mais rápido a seus usuários. Ainda ontem, dois membros da Comissão se manifestaram ponderando se não seria o momento de a FCC começar a acatar os “nãos” que recebe da corte e “se abster de qualquer nova tentativa de ditar como provedores de banda larga gerenciam suas redes”.
Brasil
“É como se a Anatel determinasse que as operadoras agora devem respeitar a neutralidade”, disse Paulo Rená, advogado envolvido na criação do Partido Pirata do Brasil e do projeto do Marco Civil da Internet. Rená lembra que no Brasil a tentativa de instituir o princípio vem por meio de lei e não de norma de agência reguladora. Para Affonso a conclusão da corte americana não afeta em nada as determinações do Marco Civil por aqui. “Nas razões que decidiram lá, há pouco impacto no debate do Marco Civil. A discussão é sobre competência e não sobre neutralidade de rede”, afirmou.
“A decisão dos EUA só reforça a necessidade de se garantir a neutralidade da rede por lei e não por uma norma inferior, como um regulamento”, diz o deputado Alessandro Molon (PT-RJ), relator do Marco Civil.