Com quem fica o espólio da MTV Brasil com o fim do contrato de licenciamento da marca com o Grupo Abril? Será que a VIACOM irá fazer a guarda de todo o material contido na fitoteca da emissora? Me refiro não só ao material contido nas 33 mil fitas, nos discos rígidos, nos impressos, além dos discos que milhares de bandas enviaram ao prédio, na Avenida Professor Alfonso Bovero, nº 52, SP-SP, onde já funcionou a extinta TV Tupi.
Pode parecer estranho, mas a MTV – a televisão música – do Brasil vai acabar. Aquele canal que conhecemos, que amamos e odiamos vai acabar; que funcionou desde 1990 vai deixar de existir até o final de setembro de 2013. Zéfini, extinguiu-se. E sim! A MTV tem um espólio cultural, um patrimônio imaterial a deriva e prestes a sofrer um descarte, de ir para o lixo ou pior, de ir para acervos privados que farão questão de por uma catraca para que pesquisadores ou mesmo para que os próprios artistas tenham acesso aos registros, VTs, programas gravados em fitas Betacam, DVCam ou nos discos rígidos do, já em estado terminal, canal de televisão.
Encerrado os termos de venda do “material que interessa” para a VIACOM, com quem ficaria a “vala” do acervo – os registros sem importância ou relevância comercial? Seriam jogados no lixo, rateados entre os funcionários e ex-colaboradores ou mesmo doados para algum museu? Por óbvio, o material com viabilidade comercial já tem a guarda garantida. A “vala” é que não pode ir para a vala.
A questão ainda não tem resposta, e que publicamente parece não ter muita importância, pode estar sendo pensada e negociada nos bastidores. A parada é a seguinte: (i) não sabemos o que tem na emissora, porque o acervo é privado e provavelmente a administração atual deve ter uma ideia do que tem pelos mapeamentos anteriores; (ii) temos uma ideia geral que fica na nossa memória afetiva do que passou ou de quem passou pelo canal; (iii) esses registros audiovisuais não devem ser tratados como um mero entulho a ser comercializado no sebo ou repartido entre amigos; (iv) esse espólio é parte de uma memória cultural do país e sobre esse “material de descarte” ainda não temos uma resposta do que será feito com ele, e essa é uma questão de interesse coletivo e do poder público.
É de interesse coletivo se pensarmos nos que transitaram e tiveram, enquanto artistas ou colaboradores, algum envolvimento com canal. Assim, como uma banda poderá ter acesso ao seu material que estará sob a guarda da fitoteca do novo canal? Como alguém que deu uma entrevista na emissora ou que participou de um programa poderá ter acesso a esse material depois do fim da antiga MTV?
É de interesse público saber para onde vai esse acervo e se o local onde será relocado tem as condições técnicas necessárias para a sua conservação e acesso. A questão do interesse público surge pelo fato da emissora ter registrado mais de 20 anos de comportamento jovem e de expressões culturais brasileiras e de outros países. Tem-se o registro, por exemplo, do que foi a recepção de determinado fenômeno global de cultura no Brasil, além dos hábitos e comportamentos que estavam na moda na década de 1990. E esse material histórico não pode ter o seu valor mensurado, apenas, pelo interesse comercial da VIACOM em guarda-lo para uma futura venda ou reutilização no novo canal.
No meio preservacionista se fala em ondas de destruição do audiovisual. Teve a onda de destruição do cinema mudo tanto pela obsolescência desses com a emergência da nova tecnologia do cinema falado. Teve uma onda de destruição do material de arquivo das emissoras de televisão, dos estúdios antigos de cinema e das próprias cinematecas por problemas em seus acervos. Além desses exemplos soltos, sempre temos uma perda de material com o fim de uma emissora e a transferência desse material para outro acervo, nas maiorias das vezes o material a ser descartado é maior que a conta feita ou anunciada. A questão que fica é a do início: com quem fica o espólio da MTV? E pode ser complementada: como fazemos para ter acesso a esse espólio?
Resposta(s)?
Não sei qual o seu destino ou se no caso de descarte com quem deve ficar o material. Acho uma irresponsabilidade pedir para as bandas virem buscar os registros. Também acho uma irresponsabilidade maior ainda a doação desse acervo para uma instituição privada ou para o rateio entre os colaboradores da antiga emissora, algo que poderia ser feito na informalidade. Acredito que o poder público deva ter a guarda nem que temporária desse material, nem que seja por meio de um comodato por 1 ano. Poderia ser guardado em uma instituição de ensino superior, como a USP, na FAAP; ou em uma instituição de preservação fílmica como a Cinemateca Brasileira ou Museu da Imagem e do Som de São Paulo. Esse material só não pode ir para a mão de um colecionador privado, para o lixo ou para um Sebo.
fonte: Produtor.org
Sobre o autor:
Frederico Neto é bacharel em cinema, preservacionista informal com passagem, enquanto voluntário, na Cinemateca do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro. Atualmente finaliza um documentário sobre a banda Dorsal Atlântica – a ser lançado ainda em 2013, e se prepara para filmar outro sobre a banda Relespública, a ser lançado em 2014.