Mensagem e propostas Anonymous para 2014

Saudações, cidadãos do mundo. Iniciamos mais um ano, e por mais que busquemos evitar nos adequar ao tempo padrão, não podemos ignorar que o mundo segue estes ritmos. Pra uns, só mais uma volta em torno do sol. Pra outros, a oportunidade de repensar atitudes, renovar energias e iniciar novos projetos. É nessa segunda perspectiva que trabalhamos ao escrever este texto. Gostaríamos que todos aqueles que acompanham nosso trabalho se dediquem a ler, para entenderem que algumas coisas começam a mudar já a partir de hoje. E se pudermos ter a ajuda de vocês, será formidável.

1. De onde viemos

Para aqueles que não sabem, a FUEL é uma célula Anonymous que teve início em junho de 2013. Até aquele momento, os membros que a fundaram participavam de diversas outras células, sendo alguns das equipes com maior visibilidade no país, mas com uma insatisfação comum: Anoymous não parecia estar trazendo a reflexão crítica ao povo, tampouco lhe dando condições para que se fizesse ouvir. No lugar disso, acabava por repetir estereótipos da grande mídia e, por conta disso, servir de massa de manobra para grupos de interesse particular com maior habilidade, experiência e preparo político.

Entendemos, evidentemente, que a Ideia é nova em nosso país. Entendemos que ela seja, ainda, mal compreendida. Mas não podemos admitir que pessoas irresponsáveis e/ou mal intencionadas comprometam uma filosofia que não lhes pertence, ou que acabe por, ingenuamente, servir justamente a quem nos opomos desde o princípio.

2. Como crescemos

Para nós, é um pouco espantoso que em cerca de meio ano tenhamos atingido quase 16 mil pessoas através de nossa página no Facebook (já são mais de 40 mil considerando todas as nossas mídias). Isso é pouco, ainda, se comparado às grandes mídias Anonymous brasileiras. Mas para o trabalho que fazemos é muito, e é gratificante. Quando o país inteiro parecia entrar automaticamente numa mesma corrente, nos negamos a ser a liderança que o povo brasileiro esperava (e que a polícia procurava). Negamos insistentemente a replicação das “pautas comuns”, definidas em processos que em nosso entendimento foram elitistas. Negamos, sobretudo, participar de um fluxo de comportamentos que transformava a Ideia Anonymous em um movimento organizado. Isso nos faz ter poucos amigos até hoje. Mas não iniciamos este trabalho para fazer amigos.

3. Algumas de nossas principais críticas

Anonymous é uma utopia. Por diversas vezes, conceituamos “utopia” em seu sentido original, do grego “U/TOPOS”, ou seja, sem lugar. Não significa que é impossível, mas que para sua realização, esse lugar precisa ser construído. E para que se mantenha coerência, que seja construído horizontalmente, coletivamente, e de baixo para cima.

A Ideia Anonymous deve se adaptar ao lugar aonde chega, e nossa realidade é diferente dos países de primeiro mundo hiperconectados. Se queremos estar de fato ao lado do povo, precisamos conhecer e ouvir esse povo, e não atender a nossas concepções do que são problemas e quais seriam as soluções. Devemos estar primeiramente nas ruas, nas periferias, nas aldeias indígenas, nas comunidades ribeirinhas, nas ecovilas, nos centros urbanos, e só então na internet para conectar esses discursos e caminhar em direção a uma democracia direta.

Se defendemos a democracia direta, não podemos nos comportar como líderes, como guias ou como prestadores de serviço. Compreendemos que cada célula possui suas particularidades, mas a FUEL é uma célula ideológica. Nossa preocupação não é fazer por vocês, é ajudá-los a entender como e porque vocês mesmos devem fazer, se quiserem. Para além de ideológica, somos uma célula purista. Isso significa que a Ideia Anonymous sempre será a principal referência. Se o mundo estiver desabando e nos cobrar atitudes contraditórias à Ideia, o faremos pessoalmente, em nossas atividades individuais, mas nunca enquanto célula. Não teremos vergonha de admitir quando um assunto não concernir à Anonymous, independente de ser sério. Não teremos vergonha de nos omitir quanto a questões políticas que a Ideia não abrange.

Anonymous tem limites, e esses limites devem ser respeitados para que a Ideia não seja corrompida e para que se respeitem os princípios da liberdade de expressão, da hiperdemocracia e da tecnocracia (saiba mais). Não fomos nem seremos organizadores de mobilizações, ou estaremos substituindo e fazendo uso da estrutura que queremos que seja dissolvida.

A maioria das células Anonymous se afirmam como “neutras” politicamente, como se nosso trabalho não fosse fazer política. Podemos não estar inseridos na política representativa tradicional, mas somos, em essência, o aprofundamento dessa relação política que se dá entre os seres sociais. Entendemos que esses grupos possuem compreensões pobres de política, que ela não é feita apenas no Congresso. Até mesmo bancos fazem política com seus comerciais ao nos venderem estilos de vida. E se não compreendemos isso, somos presa indefesa.

A política que fazemos é libertária, defende a dignidade humana e se opõe ao controle pela seleção de informação. Justamente por sermos todos, indivíduos ou coletivos, agentes políticos, é que devemos estar preparados para os reflexos de nossas manifestações, abertos ao questionamento e preparados para dar explicações e justificativas. Ação direta não é o fazer por fazer. Ação direta é compreender sua potencialidade de intervir na sociedade, preparar-se para isso e fazê-lo sem esperar que alguém o faça por você.

Da mesma forma, liberdade de expressão não é apenas o falar por falar. É manifestar plenamente sua identidade, sem oprimir a identidade do outro. É praticar sua individualidade reconhecendo-se como agente de transformação do meio, mas respeitar as diferenças de modo que o meio não seja submetido à sua identidade. Ainda, é buscar uma identidade que seja de fato sua. A exposição contínua à mídia altera a percepção pública da realidade social, de modo que ela se adeque ao “mundo midiático” que alguém preparou para você. Companhias de publicidade gastaram mais de 500 BILHÕES de dólares em 2012 para dizer como você deve pensar e quem você é (o Brasil já é o sexto país com maior investimento em publicidade no mundo).

Seja crítico, ou o produto consumido será sua identidade, seus valores e seus anseios. Todos os seus conceitos do que é belo, correto, moral, ético ou aceitável foram construídos com forte influência da propaganda. Você tem a obrigação de desconstruir esses conceitos se deseja viver em um mundo livre. Seu mundo jamais será livre enquanto sua visão dele for aprisionada.

Libertem-se das mídias de massa não apenas desligando a TV, mas praticando a crítica na internet (que TAMBÉM é uma mídia). Os mesmos grupos que controlam grandes centros de informação televisiva e impressa também controlam os grandes centros de informação na internet. E eles são a principal fonte de boa parte das mídias que se afirma como “alternativa”. Desconfie, pesquise e compare. Não reproduza seus métodos (simplismo em frases curtas, senso comum, imagens com tiragem alta). Procure e crie informação de qualidade.

4. Sobre a liberdade

As definições de liberdade são muitas. Grupos políticos em oposição levantam essa mesma bandeira buscando resultados radicalmente diferentes. É preciso ter cuidado com a liberdade que se defende. Que liberdade, afinal, é essa? A liberdade de oprimir? A liberdade que seu dinheiro pode comprar? Não é com essas perspectivas que trabalhamos.

Ao longo de 2013, nos colocamos pela liberdade de expressão, pela liberdade de manifestação, pela liberdade sexual, pela liberdade étnica, pela liberdade religiosa e pela liberdade de consciência. Criticamos e refletimos sobre a opressão praticada até mesmo dentro dos meios anons. Nos colocamos contra anonymachistas, contra anonyfascistas, contra anonymilitaristas, contra os anonyhomofóbicos, contra os anonycapitalistas e contra todas as contradições que permearam o meio Anonymous, reflexos da cultura de nossa sociedade.

O resultado? Nos chamaram de “polícia Anonymous”, alegando que nossas posturas se colocam contra a liberdade de expressão em função de um patrulhamento do “politicamente correto”.

5. Politicamente correto?

Esta é a maior de todas as ironias. A “ditadura do politicamente correto”. E é ainda mais irônico que esse rótulo venha se supostos irmãos Anonymous.

Pedimos que você reflita. O que, afinal, é ser politicamente correto? Contrariar todos os padrões normativos e preconceitos naturalizados de uma sociedade? Para nós, isso é a verdadeira transgressão. É nisso que reside o questionamento. E justamente por isso, nos consideramos o politicamente INCORRETO.

Esse é um cenário de grande inversão de valores, irmãos e irmãs. Querer que pessoas não sejam humilhadas, exploradas e violentadas, exigir respeito aos grupos mais fragilizados, isso é transgredir. E justamente por isso causa incômodo, porque bate de frente com a sua opressão, esta sim “politicamente correta” e naturalizada pela sociedade.

Não compartilhamos a ideia de que “é só uma opinião”. Se ela foi adquirida do meio social por osmose, que ela seja destruída. Se ela foi construída por você, que assuma a responsabilidade sobre ela e pratique um constante questionamento de seus efeitos sobre os demais. Tratar conquistas democráticas de grupos historicamente oprimidos como “ditadura” ofende nossa racionalidade.

Para toda ação existe uma reação. Se quiserem, nos chamem de policiamento e até mesmo de patrulha. Para nós, existe uma patrulha de normatividade que é muito maior, e estamos dispostos a enfrentá-la em todos os níveis.

6. O futuro começa hoje! Metas para 2014

Até agora, trabalhamos com a ideia de uma liberdade conquistada. Não abandonaremos esse eixo, mas acrescentaremos a ele a ideia de uma liberdade construída.

Continuaremos a produzir material próprio e original, apresentar referências técnicas, científicas e históricas para nossos conteúdos e incentivaremos que todas as células Anonymous abandonem a grande mídia. Esse é o dever de todo anon, e aquele que tiver dificuldade sempre poderá nos procurar para suporte.

Em função disso, a FUEL se coloca aberta para discussão e realização de projetos em conjunto com outras células, compartilhamento de canais e informações, divisão de espaços e perspectivas. Isso já ocorre em menor escala, mas queremos expandir, dentro e fora da internet.

2013 serviu para que conseguíssemos proximidade com um grupo de pessoas (vocês) bastante crítico, preparado e capaz. Agora é sua vez de arregaçar as mangas e trabalhar também. Se você já o faz, nos procure para divulgação de seus projetos e para que possamos buscar apoio e até mesmo apresentá-los como inspiração a outros grupos. Uma nova seção será aberta em nossa página para tratar essencialmente desses projetos.

Em 2014, nossa jornada será mais diretamente contra o imperialismo internacional, o controle da informação e a nova ordem mundial. Nos aprofundaremos nesses temas evitando os costumeiros climas de obscurantismo e superficialidade, abrangendo sua natureza política e econômica. Esperávamos tratar desses temas de maneira indireta, mas tendo em vista que boa parte das células ainda realiza um desserviço nesse sentido, é urgente que comecemos a dar destaque a esses assuntos.

Trabalharemos essas questões a partir das ideias de Autonomia e Autogestão. Existirá suporte e orientação para aqueles que desejem iniciar seus trabalhos, suas mídias, seus grupos de debates e projetos voltados à ação direta. Queremos pessoas independentes desse sistema de explorações, e independentes de qualquer força ou liderança, o que nos inclui.

7. Metas práticas

Trabalharemos dois eixos principais de atividades fora da internet: “Poder Popular” e “Ocupação de Espaços Públicos”. Novas subseções serão abertas em nosso site no menu “Operações” para trabalharmos esses projetos com mais atenção.

Em “Poder Popular” pretendemos trabalhar principalmente a ideia de assembleias populares. Trabalharemos conceitos como “sociedade amigos de bairro”, mutirões e organizações locais, dando ideias de como se articular, que ferramentas podem ser utilizadas, como buscar apoio, entre outras.

Em “Ocupação de Espaços Públicos” trabalharemos principalmente os conceitos de hortas urbanas e hortas comunitárias. Acreditamos que é um meio interessante para transmitir conceitos de coletividade e autonomia, trabalhando uma questão que concerne a todo ser humano: alimentação. Este é o nível mais básico da cadeia de consumo e a partir dele é mais fácil desenvolver consciência de consumo em qualquer ambiente social. Ainda, apresentaremos projetos de aulas públicas, debates e palestras em espaços abertos, exibição de filmes e operações a céu aberto.

O Grupo de Articulação (Grupo no Facebook) terá meses temáticos a partir de fevereiro. A ideia é que as pessoas se aprofundem nessas questões, tragam notícias e experiências práticas. Na última semana de cada mês, os participantes deverão escolher democraticamente o tema do mês seguinte e se articularem para que quaisquer ideias de projetos sejam estruturadas fora dali. Assim, pretendemos gerar todo mês ao menos um espaço autônomo de ação, independente de nossa supervisão ou orientação. Esses temas também terão um espaço informal de discussão constante no RaidCall, onde serão realizados dois debates mensais sobre o tema. Ainda em janeiro definiremos qual será o espaço utilizado.

É possível que novos projetos sejam realizados e estamos abertos a ideias e participação de quem desejar, mas por hora não nos comprometeremos com aquilo que não teremos certeza de que será realizado.

8. Parcerias

Se você já tem uma célula, grupo ou equipe e compartilha de nossas visões, pedimos que nos procure para conversar. A FUEL é bastante criteriosa no estabelecimento de parcerias, por todos os motivos já citados, mas reconhecemos que muitas outras células realizam excelentes trabalhos e nos superam em diversas capacidades que não temos. Queremos estar juntos sob a mesma perspectiva Anoymous.

As parcerias podem ser dar por meio de troca de informações e compartilhamentos, mas preferimos que se dê num nível mais organizacional. Colaborações e divulgação de projetos, realização conjunta de operações, diálogos com movimentos sociais, etc.

Se você participa de algum movimento social e acredita que ele tem sintonia com nossa proposta, nos encaminhe informações para que outras pessoas possam conhecê-lo.

Se você têm formação ou experiência em temas de relevância social e tem boa redação (ou ao menos possui material relevante que poderia nos encaminhar para compormos artigos), entre em contato para que possamos adicioná-lo(a) em nosso grupo de produção.

9. Agradecimentos

Antes de iniciar nossos agradecimentos, gostaríamos de reconhecer nossas falhas. Podemos ter sido injustos em algumas de nossas investidas mais agressivas e até agido com alguma imaturidade em algumas abordagens. Que não seja uma justificativa, mas uma explicação: somos apaixonados por nosso trabalho. Também cometemos erros na divulgação de algumas informações, mas nesses casos nos abrimos e publicamos visões opostas quando solicitado e até mesmo publicamos algumas erratas.

Essa reflexão e esse amadurecimento se deve inteiramente a participação de vocês, nossos irmãos e irmãs. Não chamaremos de público ou de seguidores, por entendemos que nosso trabalho é conjunto. Sentimos alegria e orgulho em perceber que criamos um ambiente crítico e resistente o suficiente para nos apontar essas falhas e esperamos que esse processo de lapidação nunca termine. Conhecemos pessoas formidáveis que nos encaminham informações, estimulam debates em nossas publicações e acrescentam informações às vezes mais relevantes que nossos próprios conteúdos. Isso é ser Anonymous: não só assistir, mas tomar parte.

É revigorante perceber a diferença do clima de desavenças a que estávamos acostumados nos ambientes de onde saímos para iniciar essa célula, onde discussões giravam em torno de preconceitos, discriminações e senso comum. Aqui, os debates são frequentemente fundamentados e as pessoas colocam suas concepções de realidade em choque. MISSION ACCOMPLISHED! #lulz

Pedimos que multipliquem esse espírito. Quando concordarem, compartilhem. Quando julgarem que a informação é relevante, passem adiante. E não se esqueçam que Anonymous é democracia direta, é ação livre pela manifestação de identidades. Abram grupos, façam páginas, criem ambientes de estudo dentro e fora da internet, montem bibliotecas comunitárias (virtuais ou não), conversem com amigos, vizinhos, colegas de escola e trabalho, família, companheiros de movimento.

Não desejamos “Feliz 2014” porque não acreditamos nessa plena felicidade, como estado emocional a ser atingido constantemente em função de uma necessidade criada pela sociedade de consumo. Acreditamos em alegria, no sentido de fazer aquilo que ama. E é isso que desejamos. Momentos alegres e realizações livres, para que possamos resistir juntos e rir das ironias inerentes à vida que escolhemos.

Nós somos Anonymous.
Nós somos legião.
Nós não perdoamos.
Nós não esquecemos.
Esperem por nós.

Opine

comentários

Leia também

Posted by Wladimir

Nerd desde sempre. Começou a programar em Basic, em um CP 400 Color II lá por 1985. Fã de Star Wars, Star Trek e outras séries espaciais. Pai de 4 filhos - um era pra se chamar Linus, mas o nome encontrou muita resistência :( Aliás, software livre é outra paixão. Usuário Linux desde 1999. Presidente da Associação Software Livre Santa Catarina. Defensor do livre compartilhamento. É o compartilhamento que tem feito a humanidade avançar. As ideias são uma construção coletiva da humanidade :) Foi fundador do Partido Pirata do Brasil e membro de sua 1ª Executiva Nacional (2012-2014). Foi também assessor do gabinete do Ministro da Ciência e Tecnologia durante 2016, até a efetivação do golpe que destituiu Dilma Rousseff. Ah, também é editor aqui dessa bagaça, onde, aliás, você também pode colaborar. Só entrar em contato (42@nerdices.com.br) e enviar suas dicas, artigos, notícias etc. Afinal, a Força somos nós!

Website: http://www.nerdices.com.br

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Esse site utiliza o Akismet para reduzir spam. Aprenda como seus dados de comentários são processados.